Pelos caminhos de Sekem no Egito

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A escola Sekem, localizada a cerca de 60 km a nordeste de Cairo, é parte da Comunidade Sekem, que foi fundada em 1989. Essa iniciativa nasceu de uma visão de desenvolvimento sustentável e holístico no Egito, fundamentada em princípios antroposóficos aplicados a diversas áreas, como agricultura biodinâmica, farmacologia e educação. Ao longo dos anos, Sekem se consolidou como uma força transformadora singular, semeando mudanças que seguem florescendo até os dias de hoje.

Em julho de 2023, participei de uma imersão em Sekem com foco especial no trabalho com professores durante o programa de verão da escola. Meu objetivo era aprender sobre a dinâmica da comunidade e promover intervenções sociais de aprendizado. Aos poucos, novos impulsos conscientes foram surgindo e nutrindo minha ação, revelando um movimento em potencial que crescia com o tempo. A cada dia, fui me conectando mais profundamente com a comunidade e ganhando espaços de convivência e trocas muito significativas.

Construímos juntos um espaço de confiança que permitiu debates abertos sobre os aspectos positivos, desafios e oportunidades de aprimoramento das práticas pedagógicas. Em nossas reuniões, as reflexões compartilhadas foram além do planejamento de aulas, direcionando-se ao cuidado e cultivo de atitudes saudáveis entre professores e alunos. 

Como educadora, acredito que o autodesenvolvimento é indispensável ao papel do educador. É por meio dessa qualidade de presença que o desenvolvimento pedagógico se torna vivo e significativo. Essa foi a mensagem central que busquei transmitir. Enquanto me dedicava a cultivar essa presença, muitos processos e transições internas se desenrolavam dentro de mim. Foi um período de poucas palavras, mas que se manifestava de outras formas e com uma qualidade diferente. Talvez, eu possa chamá-los de os passos que revelavam uma nova visão interior — um presente que não poderia esperar de outra terra, senão das terras egípcias.

Registros do meu caderno de reflexões

Eu vejo com que olhos? Que sentidos eu uso pra ver? O que eu vejo e o que eu não vejo? 

Ver de fora e ver de dentro. De dentro é que se vê. De dentro pra fora. 

Não é só olhar para o que estou fazendo, mas olhar pra quem eu sou, pra quem eu estou me tornando.

Aqui, dentro de mim, eu tenho abrigo. E então, estou em fluxo com a vida.

É preciso transformar as imagens e preconcepções. Sem ver somente o que se quer ver. 

Enfrentar a falta de consciência plena, saltar para o desconhecido, ouvir mais do que falar. Servir sem nome, ser a mensagem e não o autor. Ser o interior e não o exterior. Ser essência. Ser essa luz que vem da janela.

É uma questão de percepção da realidade. Que realidade é essa diante dos meus olhos?

Eu aprendi com as crianças a ouvir, a servir, a estar presente. 

Certo dia na escola, quando uma criança me viu, caminhou até mim e levou as minhas mãos direto para o peito dela para que eu pudesse sentir seu coração. Seus olhos bem grandes olhavam pra mim e conversavam com os meus. Depois, ela apontou para as minhas pintas na pele, e era como se ela visse estrelas.

Isso me lembrou que um pouco antes de viajar para o Egito, eu encontrei meu professor de história da cultura. Ele viajava o mundo e documentava o que via.

Ele falava sobre o significado da cultura como a vida que manifesta em sintonia com a natureza. Um princípio orgânico. O ser humano e o cosmos em harmonia.

E algo me marcou quando ele disse:

“O ser humano vive no corpo como em uma casa que ele habita.”

Falávamos sobre a cultura do antigo Egito em sua tentativa em ler e compreender a vida: as leis herméticas e a conexão com os “seres superiores” como inspiração de um povo pra criar e realizar na matéria; a geometria egípcia e as pirâmides revelando a metamorfose do mundo; e por fim a “essência” do ser humano nascida dos movimentos e contrastes da própria natureza: luz e escuridão, dia e noite, alto e baixo, cabeça e coração, novo e velho, Deus e ser humano, vida e morte. 

E nesse tal exercício de ver, para o povo egípcio se resumia assim: para aqueles que viam, o mundo se revelava sempre em repetição, mas para aquilo que não podiam ver, somente a intuição poderia revelar.